O Segredo do Mar
Atentos aos Sinais 

     As coisas correm bem para todos na nossa pequena aldeia á beira mar. As crianças estudam afincadamente, os adultos trabalham com prazer e esforço, os idosos divertem-se uns com os outros, ou apreciam os dias que lhes faltam pacificamente. Porque é que acho que sou o único preocupado com o futuro? Porque é que parece que sou o unico que estou a par dos sinais? Ninguem notou que as pescarias tem dado pouco fruto, ou peixe neste caso? Que metade dos barcos que partiram não voltaram? Ninguem notou que as marés se alteraram, que os mercadores do reino não chegaram, ou até que os animais mais comuns se tornaram escassos?
     Talvez tenha a ver com o facto de ser o único detective da aldeia, que nem precisa de um, seja o único a aperceber-me disto. Ha quase cinco anos comprei um barco e pesco eu próprio, e caço também. Isto porque ser detective numa aldeia costeira rodeada pela floresta mais temida do país não rende o suficiente, e foi necessário encontrar uma maneira de me sustentar.
     - Anthon, Anthon Dey!
     É o meu nome. Alguem me desviava dos pensamentos chamando-me pela janela da divisão principal, virada para uma avenida larga, e á qual me dirigi.
     - Ah, és tu, Jo! - disse, ao reconhecer a mulher morena ha minha janela. Tinha um ar assustado. - Precisas de alguma coisa?
     - É o Caddo, apareceu desfeito em pedaços na sua mina, á entrada da floresta!
     O medo assaltou-me. Há muito que não morria ninguem assassinado na terra. Contudo, Jo referiu ''em pedaços'' o que, para além de desviar um pouco a hipotese de ter sido assassinato humano, coloca tambem a minha vida em perigo ao investigar.
     - Isso é horrivel, quando é que aconteceu?
     - Não sabemos, visto que ninguem o via desde o início da semana. A sua mulher está destroçada, foi ela que o encontrou. Diz que o encontrou ontem, e que passou o dia com o que restava dele á porta da mina, para o caso de o seu assassino aparecer, mas reconsiderou a hipotese, pois iria terminar a sua própria vida...
     - Chama o chefe Porzo, ele que vá ter comigo à saída sul, para ver se descobrimos alguma coisa.
      - Eu vou contigo!
      - Não Jo, pode ser perigoso, há muito tempo que isto não acontecia, não sabemos o que o provocou. Agora vai chamar o Porzo!
      Joanah obedeceu finalmente. Ela é uma mulher teimosa, mas também inteligente, e percebeu. Vive muito perto, é alta, ruiva, e atraente, e conheci-a no tempo em que ainda vivia com os meus pais, antes de estes serem engolidos pelo mar. Tinha sido ela quem me ajudou a ultrapassar essa perda, e por isso liguei-me muito a ela.
     Saí de casa, mas pensei onde ia e voltei a entrar. Talvez fosse melhor ter comigo a minha pequena faca de mato, por precaução, mesmo que não faça grande diferença ainda posso atira-la e fugir. Coloquei tambem a minha capa aos ombros, pois lembrei-me que nao sabia quando ia voltar, juntamente com uns biscoitos, que se encontravam no bolso desta.
     Saí novamente de casa, sentindo-me um pouco mais preparado, e encaminhei-me para sul.
     - Bom dia Anthon - Cumprimentou-me um amigo que passava. Respondi com cortesia.
     - Bom dia senhor Dey.
     - Bom dia - respondi ao rapaz que passou, acompanhado pela sua mãe, que tambem me cumprimentou.
     Assim se passou rapidamente o tempo que levei a chegar ao portão sul. Quase logo após ter chegado apareceu Porzo, de cavalo. Montei tambem na sela a seu pedido, algo que eu não apreciava, mas que percebia ser necessário, e a galope nos dirigimos á mina de Caddo e do seu filho, os únicos mineiros de profissão da região.
     Durante a corrida do cavalo de Porzo, este dirigiu-me a palavra:
     - Nunca ouvi nenhum relato como este, em todos os anos que sou chefe na Força de Seaze. - Seaze era o nome da nossa pequena povoação. A Força era um grupo não muito grande de homens que zelava pela segurança da povoação e mantinha a ordem. - Juro, aquela mulher parecia que tinha visto uma horda inteira de... sei lá, fantasmas, ou montros.
     Realmente, pensei, da forma como fora descrita, poderia ter visto. Mas isso seria impossível, uma ''horda'' não poderia atravessar a floresta sem termos conhecimento. A floresta que nos rodeia, a que chamamos Ellwood, apenas se torna perigosa várias milhas no seu interior, o que significa que até o eremita, os caçadores ou eu próprio teriamos reparado. Sendo assim resta a hipotese de uma única besta, ou um conjunto de homens, ter cometido o crime. 
     Estamos a chegar, Anthon - Informou-me Porzo, e começou a abrandar a corrida do cavalo. Ja estava-mos a trote quando avistamos a mina, depois de uma curva da ainda pouco densa Ellwood. Tudo parecia normal, excepto que o carro de transporte dos minerais encontrava-se deitad, ou talvez atirado, fora dos carris, o conteúdo deste fora do nosso campo de visão. Aproximei-me, enquanto Porzo se aproximava da entrada da mina.
     Ao espreitar para detrás do carrinho, para o que fora o conteúdo do carrinho, observei com horror que um membro arrancado de um corpo de encontrava deste, espalhado pelo chão. Porzo, por outro lado, tinha encontrado uma mancha muito grande de sangue no chão, ja com alguns dias em cima. Procurava-mos o resto do corpo, que fora descrito como destruído pela mulher de Caddo, mas não se encontrava qualquer outro membro ou parte do corpo, pelo que nos dispusemos a entrar na escura mina, não sem antes o chefe da Força ter acendido uma pequena tocha. Logo ao entrar a gruta sentimos uma repentina mudança de temperatura, que desceu de repente. A gruta descia e curvava para a direita, pelo que a tocha iluminava apenas uma pequena porção e não conseguiamos vislumbrar o que quer que estivesse mais á frente. Depois da gruta deixar de encurvar descia um pouco mais, e a temperatura descia tambem. Ao andar olhava para o fundo mal iluminado do corredor, mas um chapinhar obrigou-me a olhar para os meus pes. Um pequeno curso de água que corria debaixo do meu pé esquerdo, e que não existia á 2 minutos, transportava sangue em pequenas quantidades, pelo que chamei Porzo para o observar. Em vez de descer, ele pediu-em que subisse, atento ao carreiro, para que descobrisse a sua origem, enquanto ele descia.
     - Não sei se é boa ideia separarmo-nos, por isso fica aqui um pouco, que eu nao demoro. Não desças mais por favor.
     Ele anuiu, passou-me a tocha e encostou-se à parede. Eu subi, e logo após a mina curvar descobri uma nascente colada aos carris do carro de transporte, e ao lado dessa nascente existia uma pequena poça de sangue, mais recente. Impressionado, desci o que faltava para me encontrar de novo com Porzo, mas ouvi um grito abafado e um baque. Assustado, corria agora para Porzo, mas em vez dele encontrei uma poça bastante grande de sangue, e um rasto de arrastamento ao longo da gruta. Tirei imediatamente a faca de mato do cinto onde estava presa e avancei com cautela, numa posição defensiva. Mas não estava preparado para o que me deparei. Após o túnel curvar de novo para a direita encontrei agua. Não uma poça, não um cursozinho, mas agua suficiente para tapar o túnel completamente e me impedir de proceder. Toquei-lhe, estava bastante fria e infestada com sangue, muito provavelmente o sangue de Porzo. Estava horrorizado, especado a olhar para o túnel inundado, quando me lembrei que podia ter alguma ligção com o mar, se o túnel fosse profundo o suficiente. E isso era perigoso, pois se o assassino fosse uma espécie de monstro do mar, como o assassinato que decorrera agora sugeria, ele poderia atacar tambem pela costa. Colocou a mao na água, num síto mais desprovido de sangue. Toquei ao de leve com a língua no dedo, e sentiu o sal na agua, comprovando a minha teoria.
     Caso o assassino fose um animal irracional, este teria agora a sua refeição do meio-dia, e por isso não teria fome agora. Caso fosse humano, que era uma possibilidade mais reduzida, teria que respirar de alguma forma. Iluminei-me de repente, e corri para a entrada da gruta, com o maximo de velocidade possível. Ao chegar la fora aproximei-me do carrinho, e demorei-me a olhar para ele. O seu contúdo estava espalhado pelo chão, e eu tentava adivinhar o seu peso. visto que a madeira não era de qualidade extraordinária o seu peso nao deveria ser grande. Tentei pegar-lhe, e repare que não era dificil, talvez por estar vazio. coloquei-o de novo nos carris e guiei-o, a toda a pressa, para dentro da gruta. A velocidade descarrilou o carrinho numa das curvas, mas rapidamente o coloquei de novo nos carris e segui. Se o carrinho fosse minimamente impermeável, e dado as suas dimensões, poderia servir de escafandro por um escasso período de tempo. Teria, no entanto, que abandonar a minha fonte de luz. Cheguei á beira da água e peguei no pequeno carro, virando-o ao contrário. A tocha estava agora no chão, enquanto aconchegava a capa. Coloquei os pés na água gelada. Teria que suportar o frio. comecei a avançar, e a agua subia de vagar. Chegou-me á cintura, e arrepiei-me tanto que fui obrigado a parar. Esperei um pouco e avancei de novo, agora encostando a parte detrás do carrinho à nuca e a cabeça ao seu interior. Agora a água dava-me pelos ombros, e eu sentia terror. Ao chegar ao pescoço senti que devia mergulhar agora, e aconcheguei de noco o carro á cabeça. Era tudo menos confortável, mas era possível. Ao mergulhar, erecto, percebi que o plano tinha funcionado minimamente, e que o carro me oferecia um pouco de ar depois de entrar na água. Agachei-me e avancei. Conseguia ver os meus pés e o chão da gruta, mas estava cada vez mais escuro. Notei, no entanto, que o túnel inundado tinha parado de descer. Seguia agora a direito, perdendo a noção do tempo, mas sentindo o ar a escassear e o corpo a enregelar. Olhei para o carro. Estava humido nas partes que sustinham a água, e corria um finíssimo fio desta de uma das ligações de metal. De repente a parte da frente do carrinho aproximou-se da minha testa a uma velocidade estoneante. percebi que finha batido contra  a parede. Estúpidamente, não olhava para os meus pés ha algum tempo, e isso tinha feito com que não visse a bifurcação á minha frente. A direita descia, muito abruptamente, e estava negra como breu. A esquerda subia, e transmitia luz filtrada pelos metros de água fria que ainda faltavam. Como Humano normal segui, com muita esperança e muito mais velocidade do que o meu corpo permitia, pela esquerda. Senti a água aquecer um pouco, e aumentei a velocidade. A luz aumentava á minha volta e tive coragem suficiente para mergulhar a minha cabeça seca. Reparei que o sangue que tinha seguido ao entrar tiha desaparecido, mas o instinto de sobrevivência obrigou-me a esquece-lo. Abri, com custo, os olhos debaixo de água. O tecto encontrava-se la muito em cima, e as paredes lá muito ''ao lado''. Relaxei um pouco os musculos, e impulsionei-me para cima. O carro cheio de ar ajudou-me e emergi surpreendido. O corredor que tinha seguido durante este tempo passara de cilindro a cone, e eu era o vértice. Á minha volta um mineral brilhante irradiava luz proveniente de uma pequena abertura da ampla camara. O chão ainda subia, e um pouco á frente emergia tambem. Agarrando agora com apenas uma mão o carrinho, nadei até a água não ter profundidade suficiente para o fazer, e segui a pé o resto até os meus pes emergirem também. Percebi então, olhando de volta, que era uma caverna natural, e não encontrei carris em lado nenhum. Também não encontrei nenhuma outra saída, pelo que estavaa num beco. Ao olhar para cima reparei que se encontravam orifícios no tecto, donte provinha luz solar, esverdeada por flora irrequieta como o vento. Encontravam-se não muito distantes, e saltei para lhes chegar, mas não tinha altura suficiente. Dirigi-me então ao sítio onde o tecto fosse mais baixo, pegando
no carro. Coloquei-o no chão, ao contrário e subi para cima dele e saltei. Os meus muscolos arrefecidos ressentiram, mas agarrei com força o orificio ao qual cheguei, mas por onde não cabia. Larguei uma mão e fiquei suspenso pela outra, enquanto procurava outro orifício perto por onde eu pudesse passar, mas o tecto cedeu, alargando o buraco e fazendo-me cair. Aterrei de pé em cima do carrinho, mas com apenas um pé.o outro escorregou pela lateral do mesmo, e por isso caí com força contra o chão. bati com a cabeça contra uma pedra, e senti-me tonto por momentos, á media que o meu sangue escorria pelos meus cabelos pretos. Zonzo, levantei-me e tive presença de espírito suficiente para rasgar a capa molhada e coloca-la na cabeça. Pela primeira vez desde o início do dia, o frio soube bem em contacto com o ferimento.
     Sentei-me para descansar e avaliei de novo o tecto, enquanto tentava estancar a hemorragia. Agora ja cabia no buraco criado pelo desabamento do tecto, mas tinha medo de cair de novo. no entanto, a não ser que preferisse voltar á agua gelada, teria que sair por ali. Peguei na terra que tinha caído comigo e analisei-a. Alguma dela era mole, como argila, mas a maior parte era dura. Dirigi-me então á parede. Toquei-lhe, e vi que se desfazia com facilidade, criando muintos grumos. Peguei na minha faca e comeceia escavar um buraco, à altura da minha cintura. A tarefa foi facil. Criei então outro, um pouco mais acima, à altura do meu pescoço, e ainda outro, mais alto que a minha cabeça. Exprimentei então colocar o meu pé no primeiro, mas este desfez-se rapidamente e o meu pé escorregou para o chão. Pensei por um momento e dirigi-me de novo para o carrinho. Ri-me e depois fiz cara de mau ao pegar nele. Ri-me de novo com a minha parvoíce e atirei-o, com maior força possível, ao chão. Partiu-se, e então peguei nas tábuas que se soltaram e dirigi-me de novo á parede. Escavei um pouco mais em todos os burados e coloquei uma tábua em cada um. Então coloquei o meu pé no primeiro, e este não escorregou como anteriormente. Dei um pulinho e espetei a faca na parede o mais acima possível. Ja não estava no chão, o que era uma vitória pessoal. Sorri, e coloquei o pé no outro orifício, soltando o primeiro, que tinha estado à altura do meu pescoço. Com uma tábua que tinha na outra mão tentei espetá-la na parende como tinha feito com a faca, mas esta não se enterrou e desequilibrei-em, caindo de rabo no chao.
     - Vá la, Anthon, isto não é assim tão dificil!
     Pensei, e entao saltei o mais que pude para ir buscar a faca que la tinha ficado. Com ela afiei a tabua que não tinha penetrado na parede e duas outras, que coloquei no cinto. Repeti os movimentos, espetei a faca de novo, num sítio diferente por percaução e espetei então a primeira tabua afiada. Desta vez acertei, e icei finalmente o meu pé solto para o terceiro buraco, que tinha estado a uma altura superior á minha cabeça, e soltei o outro pé.  Já chegava ao tecto. Retirei a faca de mato da parede e saltei para a espetar de novo mais acima. Agora a minha cabeça estava pastante perto do tecto, e seguro por apenas uma mão e um pé comecei a destruir o tecto. Terra caiu-me para a cabeça e para os olhos, e furei o tecto. Alarguei o buraco e coloquei a minha mão no chão acima da minha cabeça. Seguro de mim, coloquei a outro, e fazendo força, icei-me. Esfolei o joelho ao subir, mas estava contente, pois conseguia ver o ceu, con gaivotas. Levantei-me e olhei á roda. Estava perto de uma falésia directamente para o mar, por isso estranhei e olhei para o Sol, que ja ia baixo. Fazendo as contas, aprecebi-me que era tarde já, e a fome apertou. Apercebi-me tambem de que esta era a costa Este. Saltei de pavor. Não existia costa Este no Reino. Nenhuma, o Reino encontrava-se na costa Oeste do Grande Continente, e por isso era impossível existir uma costa Este. Tinha que tirar isto a limpo, mas primeiro devorei os biscoitos, sentado ao sol. Encontrei também, numa arvore perto, um fruto grande, de casca macia. Fui buscar a faca de mat que ainda estava presa na parede e cortei o fruto, provando-o. Era doce e saboroso, por isso desapareceu num instante, restando apenas dois pequenos caroços. Á minha esquerda o terreno subia um pouco, e por isso caminhei nessa direcção, perdendo a falésia, mas não o sol, de vista. Subia cada vez mais, e ainda bem, pois esse era o objectivo. Ao reparar, passado algum tempo, que parei de subir, Olhei para cima. Encontrei uma árvore propícia para trepar e fi-lo. Á medida que subia procurava orientar-me de novo pelo sol, e cheguei ao topo da arvore. Muito ao fundo na direcçao da qual emergi da copa da arvore encontrava-se o mar. Olhei finalmente em volta e descobri Seaze a Oeste, e logo depois o mar também. Olhei então para Este, e vi o pico da falésia, e depois o mar. Apavorado, rodei e olhei para trás com os olhos fechados, com medo
daquilo que iria encontrar. Abri-os lentamente, e o azul do mar encheu os meus olhos.
     Encontrava-me numa ilha.
     Entao percebi. Os sinais que mostravam a alteração nas marés. O enorme atraso dos mercadores do reino, a falta dos animais mais comuns e a perca de metade dos barcos de pesca que tinham partido. Estava numa ilha. A destruidora novidade deixava-o sem palavras. Seaze tinha-se separado do continente. A falésia enorme era o que os ligou, em tempos, ao reino. Há quanto tempo teria acontecido? E devido a quê? Agora teria que atravessar Ellwood. Quando chegasse a Seaze todos perguntariam o que tinha acontecido, onde estava Porzo, e todos aqueles assuntos tão insignificantes quando comparados com a dimensão do acontecimento que ele, Athon, tinha descoberto. Era esmagador. Poderia agora aperceber-se do perigo. Seria Seaze autosuficiente? Agora descobririam. Persistiam apenas duas pequenas dúvidas na minha mente. Primeiro, quem teria realmente sido o assassino? Um monstro do alto mar? Depois, porque razão a quantidade de peixes tinha diminuído, quando deveria ter aumentado? Não poderia responder a sso agora, teria que se concentrar em voltar para Seaze. Se conseguisse encontrar um caminho poderia descobrir a entrada da mina, e cavalgar, o que pouparia algum tempo. Não tinha andado muito dentro da mina, por isso não devia estar muito longe. Defeni a direcção que seguiria, e desci da árvore. Então comecei a caminhar.
     Desci primeiro até á caverna mineral, e daí defini o curso que deveria serguir até á outra ponta da mina. Sabendo que tinha um chão fragil debaixo dos meus pés, andei com cuidado. O calor da tarde ia-se extinguindo, e ao sair da clareira que albergava a gruta senti frio nas roupas semi molhadas. Passado um pouco encontrei um pequeno carreiro, e segui por ele, na direcção que achava correcta. Desembocava num caminho mais principal, de uso frequente, pelo qual segui também. Passado algum tempo, quando a luz do sol ja se ia extingindo, encontrei uma bifurcação conhecida. Era a que se tomava para sair do caminho principal e virar para a mina de Caddo. Em vez de me dirigir na direcção da aldeia decidi dirigir-me de novo é entrada da mina, que era perto. Encontrei tudo tal e qual tinha deixado. Os minerais esplhados á falta do carrinho. Lembrei-me que ali se encontrava o membro humano e peguei nele, enrolei-o no que restava da minha capa dirigi-me ao cava-lo. O pobre estava com fome, pois passara o dia sem comer, e nem tinha tido o prazer de encontrar uma árvore de fruto como eu. Desatei-o, tomando a nota mental de que precisava-mos de nos alimentar os dois, e subi, aconchegando o membro humano a mim, por mais arrepiante que isso pudesse ser. Entao o esfomeado cavalo seguiu num galope descordenado para Seaze.

     A cavalgada demorou mais tempo que quando veio, e pareceu-me uma eternidade. Finalmente, ao fundo, avistei a casa de Ehed, a mais perto da floresta, mas ja em Seaze. Estava a ficar mais perto, mas agora que chegava, não sabia a quem me dirigir. As pessoas não acreditariam e teriam que ver por elas próprias. Talvez o Duque me ouvisse, mas teria que falar com ele pessoalmente. Assim que entrei em Seaze dirigi-me a casa de Porzo. Este vivia sozinho, e os seus bens iam mudar de mãos assim que se soubesse da sua morte pois não tinha família em Seaze. Reconheci a pequena morada assim que cheguei, e entrei logo depois de ter deixado o cavalo no pequeníssimo estábulo de Porzo. Procurei algo parecido com um testamento, que por norma todos em Seaze tinham a partir de uma certa idade. Encontrei-o numa pequena caixa com uma cruz, parecida com a minha até. Roubei umas fatias de pão, peguei nela e saí. Fui ao cavalo, peguei na minha capa, que tinha "aquilo" lá embrulhado, e dirigi-me, agora a pé, ao Edifício Municipal. Ao caminhar pela avenida principal deparei-me com Jo, que quase instantaneamente gritou:
     - Athon! Já aqui estás, porque é que não me disseste nad...
     Interrompi-a, silenciando-a com a mão livre, enquanto segurava com a outra a minha capa. Esperei e quando percebi que Jo se acalmou começei a dirigir-e novamente ao Edifício Municipal. Jo seguiu-me perguntando, agora calmamente.
     - Quando chegas-te? - Mas apenas lhe respondi - Vem - enquanto engolia outra fatia de pão. Movia-me com velocidade, e obrigava Jo a correr para me acompanhar. Depois de ter engolido a ultima fatia de pão respondi-lhe finalmente.
     - Voltei á pouquissimo tempo, tenho uma novidade extraórdinária, para além do facto de Porzo estar morto. - Disse estas palavras num tom mais baixo, e os olhos de Jo esbugalharam-se.
     - Como é que isso aconteceu?
     - Ainda não descobri.
     - E qual é a novidade extraordinária?
     - Vivemos numa ilha a partir de agora. Sei que não vais acreditar, mas é a verdade. Eu subi um monte de Ellwood, e vi oceano á nossa volta.
     - Não tinhas ido a uma mina? Como é que foste parar ao cimo do monte?
     - Eu saí da mina e olhei em frente. Ali estava o mar, na costa Este. Intriguei-me  subi o monte. Depois voltei.
     - No meio disso Porzo ficou onde?
     - Provavelmente no fundo do mar.
     A expressão de Jo provou que iria ter que explicar tudo muito bem, por isso não me demorei mais, e acelarei o passo, dizendo-lhe que lhe contava depois tudo muito pormenorizadamente. Satisfeita momentaneamente, seguiu-me calada. Ao chegar ao edifício municipal perguntaram-me o que desejava.
     - Desejo falar com o Duque.
     - Deixa-me fazer isto - sussurrou-me Jo. - Por favor anunciem-lhe Joanah Sqai, que ele deve esperar. O porteiro mandou-nos esperar um momento enquanto entrava. Esperámos, e quando ja pensava que teria de entrar sem autorização o porteiro apareceu de novo e mandou-nos entrar. Atravessámos varios corredores e chegamos a uma espécie de escritório. O Duque olhou para nós e mandou o porteiro sair, agradecendo.
     - Sim? perguntou, dirigindo-se mais a Jo do que a mim, pelo que ela falou.
     - Como sabe, Anthon e o chefe Porzo deslocaram-se à mina, para investigar o sucedido com Caddo.
     Então virou-se finalmente para mim e perguntou.
     - Entao e o que descobriu?
     - Para começar existe uma ligação com o oceano naquela mina, visto que estava inundada com agua salgada. Depois, encontramos lá isto - e desembrulhei uma pequena parte do membro encontrado - É provavelmente de Caddo, mas apenas encontramos isto. No interior da mina ouvi uma espécie de rosnar bem alto, quando me separei por momentos de caddo. - Expliquei-lhe como ele tinha sido substituído por um rasto de sangue, e como eu tinha mergulhado e me deparado com a bifurcação.
     - As minhas conclusões são estas: Uma espécie qualquer anfibio perigosa que vive apenas em alto mar encontrou aquela entrada para a mina, atravez do oceano. - A cara do Duque dizia tudo o que ele não ousava dizer, a respeito da sua descrença em tal história e a respeito das perguntas que ainda tinha para fazer. Continuei:
     - Esse animal deparou-se, um dia, na mina, com Caddo, e atacou-o. Quando eu la cheguei e me separei de Porzo ele atacou-o e levou-o para onde quer que ele viva, debaixo de água.
     - Tudo isso seria muito bem pensado, mas quer-me parecer que seria um pouco irrealista encontrar uma passagem para o oceano tão longe da costa.
     - Ah, mas estáva-mos muito perto da costa, da costa Este.
     - Costa quê? - então levantou-se de repente, ao perceber - Não pode ser!
     - Exacto - colaborou Jo.~
     - Vivemos numa ilha - afirmei.
     - Precisamos de informar as pessoas, mas não terá qualquer efeito apenas dito, será preciso verem. Eu próprio não tenho a certeza que acredito. Existe alguma praia nessa costa?
     - Encontrei apenas uma falésia.
     - Organizarei, então, uma feira, nesse sítio. Penso que um evento que não se realiza há mais de 5 anos será incentivo suficiente. Vão para casa. Anthon, inventa por enquanto qualquer coisa para explicar a morte de Porzo. Diz também para não entrarem na mina. Explicarei tudo na feira. Entretanto descobre alguma coisa a cerca do possível bicho. Qualquer coisa. Agora vão!
     Voltamos os dois para minha casa. Ja era noite, mas procuramos, no meio dos meus muitos textos, algo que se parecesse com um anfíbio de alto mar. Passamos a noite assim, e adormeci.
     Acordei, o sol batia-me na cara. Era de manhã. Jo dormia rescostada num sofá, rodeada de folhas. Tinha um livro ao colo, aberto. Parecia ter descoberto qualquer coisa, mas não me acordara e adormecera ela tambe´m. Aproximei-me dela e peguei no livro, mas ela agarrou-me nas mãos, ao acordar.
     - Acho que ja sei o que é - disse, tirando-me com delicadeza o livro das mãos. Gyaraos. É um anfíbio do estilo serpente, ou dragão, ou o que quer que seja. Revirou duas folhas e mostrou-me um desenho de uma serpente muito curta mas de grande diâmetro, azul, com dentes afiados e mandíbulas brancas, reluzentes e afiadas. Tinha dois braços curtíssimos com duas garras cada. Parecia realmente um dragão, se tivesse pernas e asas. Assustei-me ao pensar que ja tinha estado um monstro daqueles no mesmo túnel que eu.
     - Refere aqui que prefere ambientes frios e sem luz, o que corrobora com o facto de ter gostado da mina. Não se costumam ver muitos por não gostarem de sol. Também não resiste ao cheiro de algumas coisas, como frutos, sangue e carne crua. Podemos atraí-lo com gado. Existem muito poucos, por isso se o atrair-mos e matarmos devemos resolver o nosso problema.
     -Tem é que ser á noite. Tem que ser bem pensado.
     Durante dois dias preparamos uma armadilha para o dito, equanto o Duque ia  preparando a tal feira. Era o terceiro dia, quando chegamos á gruta de novo. Vinhamos numa carroça emprestada, com o material. Atirámos palha para a entrada, e depois toros de madeira. Depois pegamos fogo, e tinhamos a certeza de que o fogo iria durar. Limpa-mos o terreno á volta, e colocamos um tronco bastante grande, com a ajuda da carroça, a tapar a entrada. Depois guiamos a carroça até á outra parte da mina. Consegui reconhecer o sítio quando o vi. Tirámos mais palha e colocamo-la no tecto mais próximo da entrada da gruta, por cima. Tirámos uma escada de madeira e desci para a caverna natural. Indiquei um sítio específico, e Jo colocou aí uma cabra morta, em sangue. Subi rapidamente a escada e esperámos pelo cair da noite, enquanto limpavamos o terreno por cima da gruta, para não causarmos um incendio florestal. Aumentamos a quantidade de palha com uma viagem rápida de Jo a Seaze, enquanto eu fiquei sob o tecto da gruta, a enfiar estratégicamente paus, ligados com cordel.
     Jo chegou com mais palha, e colocámo-la no tecto da gruta, como a outra. Ouvimos um rosnar muito claramente por baixo de nós. Era o crepúsculo, e não tendo como sair do outro lado da gruta, para se alimentar, o Gyaraos virou-se para este la
do. Estava-mos calados, para ele não notar a nossa presença. Vimos a besta, do tamanho de duas pessoas, dirigir-se á cabra morta. Silenciosamnete começámos a mover-nos para sair dalí, mas era tarde de mais. O Gyaraos puxou de repente a cabra, e com ela o cordel que atava os paus. Com um estrondo os paus foram todos puxados ao mesmo tempo e o tecto cedeu. Já não nos encontrava-mos no meio da palha, mas ainda estavamos no tecto, e por isso caímos com ele. O gyaraos tinha largado agora a cabra, e olhava, com um aspecto devastador, com a boca ja cheia de sangue para o seu caminho de volta, agora tapado pela palha e paus. Olhou então para nós, que apesar de termos caído estavamos completamente parados. Deveria ser seguro para nós, que eramos mais pequenos e tinhamos menos sangue que a cabra, mas mesmo assim estavamos aterrorizados. Caso o Gyaraos pegasse na cabra e fugisse o trabalho teria sido em vão, mas se pegassemos agora fogo á palha colocavamo-nos numa má posição. Enquanto me levantava com a maior calma do mundo, sob o olhar atento do Gyaraos, que ainda não decidira o que fazer, sussurrei a Jo:
     - As escadas, vai para lá e acende atira a tocha para a palha, ou o nosso ttrabalho terá sido em vão. Eu acendo a tocha - E mostrei-lhe as pedras de fogo, que usávamos para acender a palha.
     - É muito perigoso!
     - Vai! é a nossa única hipotese!
     De repente o Gyaraos explodiu em movimento, dirigiu-se á palha e furou caminho. Jo correu para as escadas e pegou na tocha que atirou. A tocha aterrou a uma pequena distância de mim enquanto o Gyaraos acabava o seu trabalho e corria de novo para a carne em sangue. Levantei-me a corer e acendi a tocha com toda a pressa. A Primeira faísca não acendeu o óleo da tocha, nem a segunda, mas a terceira fez a tocha interromper em chamas. O Gyaraos ja estava a meio caminho da saída quando lhe atirei a tocha. Tudo á minha volta irrompeu num mar de chamas. O Gyaraos imediatamente largou tudo e tentou fugir com uma cara de pânico, mas Jo encarregou-se de lhe mandar palha.
     - Sai daí! - Gritou para mim. As chamas estavam demasiado próximas das escadas, e tinha pouco tempo. O Gyaraos estava a arder, e eu pensei que se me fosse, pelo menos tinha salvo umas quantas pessoas. Ainda a arder, ele trepou pela parede com uma velocidade estoneante e saiu da caverna. Eu corria para as escadas o mais rápido que podia. Quando la cheguei trepei-as, ja com o fogo a deflagrar por baixo de mim. Ainda vi uma bola de fogo atirar-se pela falésia.
     Jo ajudou-me a levantar. Disse-me:
     - Espero que sobreviva, era uma criatura extraordinária, e não tem culpa de seguir a ordem natural das coisas...
     - Tens razão. Mas não posso deixar de ficar satisfeito por nos termos desenvencilhado dele. Se sobriviver, espero que tenha aprendido e não volte. Deviamos encerrar a mina, agora que está inundada.
      No dia seguinte foram colocados explosivos na mina, encerrando de vez as duas entradas. No outro era a vez da feira. Ao anunciar que a feira se realisaria na costa Este, todo o povo se interessou, ou assustou, dependendo da personalidade de cada um. O Duque tinha encontrado uma praia um pouco mais a norte de onde se podia contemplar a falésia vista de baixo. Era a maior prova de que estavamos separados do resto do reino. Todos observavam se acreditarem o mar em todo o seu esplendor. Era uma verdade que não podiam contrariar, mas na qual não podiam acreditar.
     Era de noite. O Duque subiu para um estrado, contemplou o mar e todos se aproximaram. Então ele disse:
     - Hoje é um dia especial. Durante os últimos tempos a Natureza deu-nos sinais que não vimos, ou não quisemos ver, contentes com a nossa vida. Anthon Dey via estes sinais. Com a ajuda do nosso e seu amigo Porzo desvendou o segredo que agora todos contemplamos. Tudo se alterou, e hoje é o dia em que mudamos as nossas vidas. O mar rodeou-nos contra a nossa vontande, mostrando-nos o poder que ele tem. A partir de hoje teremos que ser auto-suficientes, viver em paz e em regra. Vivemos numa ilha agora. Proponho-vos este nome: Segredo do Mar.

     21 de Agosto, 2009

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